Com a riqueza e a glória, Paula encontrou em seu berço a fé cristã. Foi educada no cristianismo pela mãe, num espírito de verdadeiro amor pela Religião e profunda aversão a tudo que se referia ao paganismo ainda pujante. Na gravidade e pureza de costumes, como convinha a uma patrícia romana cristã, Paula recebeu, a par de sólida formação religiosa, uma educação intelectual e artística esmerada. De origem greco-romana, aprendeu as duas línguas de modo a ler os clássicos de ambas com igual facilidade.
Criança ainda, passava com desdém diante dos ruidosos lugares onde pompeavam os divertimentos pagãos, preferindo as catacumbas aos circos e teatros.
Grande dama, mas de vida inconseqüente
Aos dezesseis anos os pais a casaram com o nobre Júlio Toxocio, patrício romano da família de Júlio César, alma nobre e espírito delicado, mas infelizmente pagão. Como pôde uma família piedosa planejar tal aliança? Desejo de prestígio e de fortuna, passando por cima de tudo? Ou era movida pela idéia de que Paula acabaria convertendo o marido? Não o sabemos. Deus, entretanto, abençoou essa união com quatro filhas e um filho, que davam as melhores esperanças à mãe. No auge da felicidade e do luxo, Paula sempre se manteve honesta, mas deixava-se levar por uma vida mole e mundana, sem pensar muito na eternidade.
De acordo com sua situação social, passeava pelas ruas da Roma imperial em liteira dourada portada por escravas, vestida de seda e ornada de jóias, receando colocar o pé em terra para não sujar seu delicado sapato. Mas, infelizmente, esquecia-se de que tinha uma alma imortal que devia salvar. Ao lado dessa vida luxuosa e por vezes inconseqüente, Paula era conhecida como mulher de conduta irrepreensível, citada como modelo de dama da velha cepa patrícia.
Piedosa viuvez consagrada a Deus
Estava, entretanto, nos planos da Providência que essa situação não fosse duradoura. Com efeito, no ano de 379 uma enfermidade arrebatou-lhe o esposo. Em meio à terrível provação, Paula foi tocada pela graça e decidiu-se a viver no futuro só para Deus e seus filhos ainda pequenos, numa viuvez consagrada, apesar de ter somente 32 anos de idade.
A isso ajudou-a muito ter encontrado, no seio da sociedade corrompida de Roma, uma outra sociedade de igual nobreza, formada por viúvas e virgens pertencentes às primeiras famílias da Cidade Eterna, que levavam uma vida de piedade e boas obras sob a direção de Santa Marcela. Era o Cristianismo que, pela graça de Deus, vicejava nas mais altas classes sociais do Império.
E assim foi até que, em 382, chegaram a Roma dois prelados, antigos anacoretas do deserto – Santo Epifânio, bispo de Salamina, e Paulino, bispo de Antioquia – para tomarem parte num concílio convocado pelo Papa São Dâmaso a fim de tratar assuntos da igreja do Oriente. Acompanhava-os um monge, Jerônimo, que já então tinha dado muito o que falar de suas virtudes.
Santa Paula hospedou Santo Epifânio em seu palácio, ouvindo-o falar sobre os padres do Ermo e da vida monástica em geral. Ela compartilhava com Santa Marcela tudo o que ouvia, e ambas estudavam um modo de ir transformando seu pequeno “convento” segundo esse modelo ideal.
Terminado o concílio, os dois bispos voltaram para o Oriente, mas São Dâmaso reteve o monge Jerônimo como secretário, encarregando-o da revisão das Sagradas Escrituras. As nobres mulheres tiveram grande proveito com essa presença tão santa, tomando como mestre o mortificado monge.
Com isso tiveram origem as “reuniões do Aventino”, isto é, do palácio de Santa Marcela, onde São Jerônimo fez conferências sobre teologia e estudos bíblicos. Eram muito atentas suas aristocráticas alunas. Diz São Jerônimo: “O que eu via nelas de espírito, de penetração, ao mesmo tempo que de encantadora pureza e virtude, não saberei dizer”.
Paula assistia às conferências com suas filhas, ouvindo o monge com a maior atenção. Jerônimo aos poucos compreendeu que aquela alma predestinada era chamada à mais alta perfeição, e a incentivou a prosseguir com decisão nesse caminho.
A digna matrona, sentindo-se chamada a uma vocação especial, havia abandonado o leito de plumas, os vestidos de seda e as jóias deslumbrantes, trocando tudo por uma túnica de lã e cilícios. Ela recolhia os pobres sem lar, vestia os miseráveis, provia de alimentos e medicina os desamparados.
São Jerônimo, que era enérgico e um tanto rígido para consigo mesmo, não consentia em suas dirigidas uma piedade apoucada. Exigia delas grandes horizontes e esmerada virtude. Propôs-lhes mesmo aprenderem o hebreu, para estudar as Sagradas Escrituras no original em que foram escritas. Como “não era possível encontrar espírito mais dócil que o de Paula”, ela e suas filhas puseram-se com empenho ao labor. Com o tempo, conseguiam cantar os salmos na língua em que foram compostos e ler as Sagradas Escrituras no original hebreu.
Paula, no entanto, não negligenciava seus deveres domésticos e sociais. Mãe devotada, casou sua filha Paulina com o rico e virtuoso senador Pamaquio. A segunda, Blesila, casou-se, mas em pouco tempo ficou viúva e faleceu piedosamente em 384, aos 20 anos de idade. A filha Rufina faleceu em 386, restando-lhe a última, Eustóquia (santa), que acompanhou a mãe ao Oriente, onde faleceu em 419. O único filho de Paula, Toxocio, primeiramente pagão, fez-se batizar em 385 e casou-se em 389 com a patrícia Laeta, filha do sacerdote pagão Albino. Foi pai de Paula, a Moça, que em 404 uniu-se a Eustóquia em Belém, e em 420 fechou os olhos de São Jerônimo.
Junto à manjedoura de Jesus Cristo
A virtude de Santa Paula não podia ficar impune para os mundanos. Logo se espalhou por toda Roma uma campanha de calúnias sobre as relações dela com São Jerônimo, o que obrigou-o a retirar-se para a Terra Santa. Na época, escreveu a Santa Marcela: “Tenho sofrido horrorosamente, mas isto o que importa para quem combate sob o estandarte de Cristo? Imputaram-me um crime infamante, mas sei ir ao reino dos Céus tanto pela infâmia quanto pela boa fama”. Tais eram os rumores, que Santa Paula viu-se obrigada a dividir seu patrimônio entre os filhos, reservando para suas boas obras apenas pequena parte. Devido a essa campanha organizada contra ela, mais as mortes de Blesila e de São Dâmaso no ano de 384, Santa Paula decidiu mudar-se também para a Terra Santa.
Deixou os filhos Toxocio e Rufina aos cuidados de Santa Marcela, e levou consigo a fiel Eustóquia, que queria compartilhar sua sorte. No ano de 385, embarcaram para o Oriente. São Jerônimo, que as tinha precedido, reuniu-se a elas em Antioquia. Santa Paula e a filha fizeram primeiro uma piedosa e detalhada peregrinação pela Terra Santa, indo depois para o Egito a fim de edificar-se com as virtudes dos anacoretas e cenobitas que povoavam aquela região, principalmente São Macário, Santo Arsênio e São Serápio. Depois, cedendo a um desejo do coração, fixou sua residência em Belém, como já o havia feito São Jerônimo.
Santa Paula edificou junto à igreja da Natividade dois mosteiros: um feminino, do qual ficou superiora, e no qual entraram sua filha e várias das viúvas e virgens que a haviam acompanhado à Terra Santa; outro masculino, que ficou sob a direção de São Jerônimo.
A vida nos dois mosteiros era inspirada na dos grandes anacoretas do deserto. São Jerônimo diz que “as que em outro tempo gemiam sob o peso das jóias e brocados andam agora miseravelmente vestidas, preparam os lampiões, acendem o fogo, varrem os pisos, limpam os legumes, colocam na panela fervente as ervas, preparam as mesas e correm daqui para lá dispondo de tudo”.Santa Paula e Santa Eustóquia davam o exemplo em tudo, sendo as primeiras nos trabalhos mais vis.
Uma coisa não conseguia São Jerônimo: diminuir as liberalidades de Santa Paula para com os pobres. Isso de tal maneira, que ela ficou reduzida à miséria, e ainda assim tomava emprestado para poder atender àqueles que a ela recorriam. Ela dizia: “Deus me é testemunha de que não faço nada senão pelo seu nome, e que só tenho um desejo: morrer na miséria e ser enterrada em um lençol emprestado”. São Jerônimo exclama admirado: “Que coisa mais admirável a virtude desta mulher, opulenta antigamente e hoje reduzida à última indigência!”
Paula e Eustóquia tiveram ampla participação nos trabalhos de São Jerônimo, como sábias secretárias e tradutoras. Não é exagerado dizer que Santa Paula foi a alma da grande empresa –– a tradução da Bíblia Sagrada conhecida como Vulgata. Com efeito, ela ressentia-se da escassez da exegese bíblica dos ocidentais e pressionava o santo para que remediasse a isso. Mas Jerônimo opunha sempre as repugnâncias de sua humildade. “Se bem que muito santa, Paula não deixava de ser mulher, e de um espírito fino e penetrante. Pois bem: pediu-lhe ao menos que escrevesse alguma coisa sobre a menor das epístolas de São Paulo, a dirigida a Filemon, ainda que não fosse mais que uma página de quarenta linhas. Jerônimo caiu no laço: fez o que lhe pedia, e o resto veio depois. O ‘resto’ são seus grandes comentários paulinos. ‘Para que vejas o que pode sobre mim tua vontade’.
Tal vida virtuosa, tal morte santa
No ano de 395 os hunos, que encheram de ruínas o Império Romano do Ocidente, caíram como um raio sobre o Oriente. Os moradores dos dois mosteiros, com Jerônimo e Paula, fugiram. Entretanto os invasores voltaram atrás sem ter chegado ao Líbano, e os fugitivos voltaram aos seus mosteiros.
No final do ano de 403, Santa Paula caiu enferma. Suas mortificações haviam debilitado seu organismo não muito forte. Diz São Jerônimo: “Paula havia, como diz o Apóstolo, percorrido sua carreira e guardado a Deus sua fé. A hora ia soar para ela, de receber a coroa e seguir o Cordeiro por onde Ele fosse. Ela, que teve a fome sagrada da justiça, ia ser satisfeita; e já, alegre, podia cantar: ‘Tudo o que ouvimos da cidade do Deus das virtudes, iremos ver agora’.
O bispo de Jerusalém e os da Palestina, e muitos monges e virgens, acorreram para junto do leito da digna agonizante. São Jerônimo e muitos sacerdotes e levitas já rodeavam seu leito. A ilustre Paula expirou santamente no dia 26 de janeiro do ano 404, aos 56 anos de idade.
Fonte:
Catolicismo
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