São João da Cruz:Reinado de Maria

terça-feira, dezembro 14, 2010

São João da Cruz

Dizem que a santidade está de mãos dadas com a loucura. Se existe uma “sã loucura” esta é própria dos santos, que toma dos “loucos normais” a contradição que os caracteriza. Neles, aquilo que parece inconciliável encontra feliz conexão. Os radicais, no sentido de penderem por um único lado da balança da vida, são os homens comuns, ora rastejantes sobre a terra, alienados das coisas do alto, ora perdidos nas realidades do alto, alienados das coisas da terra. Os santos não. Destes tudo se pode esperar, são imprevisíveis, admiravelmente terrenos, surpreendentemente divinos!

São João da Cruz é um emblema deste tipo de homem.

Vivido entre 1542 e 1591 na Espanha, sua vida é marcada, por um lado, pela dor infligida-lhe pela dura realidade externa, e por outro pela alegria da descoberta crescente de uma vasta e luminosa realidade interior.

Órfão de pai aos 3 anos, João de Yepes – seu nome civil - prova o esforço da mãe que procura corações benevolentes a garantir-lhe a sobrevivência. Na adolescência pode trabalhar e estudar.

Aos 21 anos faz-se religioso carmelita, mas sofre a angústia de não poder viver ali como queria, e sonha com a austeridade e o silêncio monástico dos cartuxos.

No ano em que se ordena sacerdote, em 1567, encontra-se com Santa Teresa, que o conquista para a sua obra de reforma entre os frades. No ano seguinte, em 1568, torna-se o primeiro carmelita descalço, assume o novo nome de João da Cruz e vive momentos de indescritível felicidade, num casebre perdido da zona rural de Ávila. A partir daqui empenha-se, até o fim da vida, em diversas tarefas entre os carmelitas descalços que vêem-se em ligeira expansão. Sua missão somente é interrompida pela perseguição dos padres da Ordem Carmelitana, que o escolhem como vítima do conflito gerado pelo crescimento dos descalços. Durante 9 meses, entre 1577 e 1578, é encarcerado no convento da cidade de Toledo. No meio de um sofrimento físico e moral somente imaginável por quem passou pela dura realidade da prisão, brotam do seu coração as mais belas poesias místicas já escritas, que revelam a experiência de um Deus que se faz prisioneiro do nosso amor.

Terminado o tempo da prisão, retoma suas atividades, até o ano de 1591, quando, em meio a uma surda perseguição dos seus próprios superiores, alegra-se por ver aproximar-se o almejado momento de poder ver rompida a tênue tela que o separava do seu divino amado.

São João da Cruz deixou-nos escritos de maravilhosa profundidade de vida espiritual. Seus escritos revelam a densidade de vida que ele mesmo viveu, e constitui doutrina insuperável, pela originalidade das considerações, a respeito do itinerário da vida cristã, desde seus primeiros passos às mais altas realizações nesta vida. A forma que envolve o conteúdo dos ensinamentos do místico doutor, é de igual modo, plena de beleza poética, pois somente a poesia é capaz de expressar sentimentos e realidades indizíveis.

Além das cartas, de pensamentos e ditos e outros escritos menores, São João da Cruz deixou-nos quatro grandes escritos que interrelacionam-se e onde desenvolve o dinamismo que toda pessoa humana é chamada a percorrer em sua relação com Deus. Tais obras são: Subida do Monte Carmelo, Noite escura, Cântico espiritual e Chama viva de Amor. As duas primeiras obras acentuam a purificação como passagem e caminho que concretiza a união, purificação que envolve atitudes que têm por protagonismo ora a pessoa que responde à graça, ora Deus mesmo que, aos passos da pessoa, toma o processo em suas mãos. As outras obras, ainda que tocando a realidade da purificação, centram sua atenção na vivacidade do amor que tudo pervade e nas consequências positivas da união com Deus, ideal último para o qual todos nós fomos criados.

O centro de tudo é sem dúvida o amor: força propulsora do processo, objeto de purificação que consiste em concentrar toda a sua força para Deus, fim e ideal do caminho. A união com Deus é união de amor com aquele que é amor. Ordenado para Deus, nosso amor recupera sua veemência, sua característica de força e movimento, afinal o amor é forte como a morte e sua medida é ser sem medida. Tão infinito como Deus é o amor, e, do mesmo modo como ele nos amou, à loucura, quando o amamos, somos levados a cometer por ele loucuras de amor. "Com ânsias de amores inflamada", diz um trecho de uma sua poesia, é assim que a alma caminha em seu caminho com Deus e para Deus. Amando assim, este santo carmelita tornou-se, sem dúvida, um louco, louco de paixão por Deus, e nenhum de nós que dele se aproxima e por ele deixa-se guiar, pode deixar de almejar a mesma loucura, de um mesmo amor.

Frei César Cardoso de Resende, ocd

Confira um pouco da riqueza espiritual expressa em suas frases: 

"Não se contentar com o que diz o confessor é orgulho e falta de fé."
 
"A mosca que pousa no mel não pode voar; a alma que fica presa ao sabor do prazer, sente-se impedida em sua liberdade e contemplação."

"O mais leve movimento de uma alma animada de puro amor é mais proveitoso à Igreja do que todas as demais obras reunidas."

"Por causa de prazeres passageiros, sofrem-se grandes tormentos eternos."

"Meus são os Céus e minha é a Terra, meus são os homens, e os justos são meus; e meus os pecadores. Os Anjos são meus, e a Mãe de Deus, todas as coisas são minhas. O próprio Deus é meu e para mim, pois Cristo é meu e tudo para mim." (Sobre a Eucaristia)

"Não faça coisa alguma, nem diga palavra alguma que Cristo não faria ou não diria se encontrasse as mesmas circunstâncias."

"Renuncie aos desejos e encontrará e encontrará o que seu coração deseja."

"Que felicidade o homem poder libertar-se de sua sensualidade! Isto não pode ser bem compreendido, a meu ver, senão por quem o experimentou. Só então se verá claramente como era miserável a escravidão em que se estava."

"Quem se queixa ou murmura não é cristão perfeito, nem mesmo um bom cristão."

"Senhor, quero padecer e ser desprezado por amor de Vós."

"A pessoa que está presa por algum afeto a alguma coisa, mesmo pequena, não alcançará a união com Deus, mesmo que tenha muitas virtudes. Pouco importa se o passarinho esta com um fio grosso ou fino... ficará sempre preso e não poderá voar."

"Para possuir Deus plenamente é preciso nada ter; porque se o coração pertence a Ele, não pode voltar-se para outro."

"O demônio teme a alma unida a Deus como ao próprio Deus."

" O amor não consiste em sentir grandes coisas, mas em despojar-se e sofrer pelo amado."

Fonte:
Feed
Assine nosso Feed ou receba os artigos por Email

Nenhum comentário: